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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A GESTÃO DEMOCRÁTICA PRETENDIDA E O SEU CARÁTER CONCILIADOR REVELADO NA META 19 DO PNE 2014 – 2024.

A GESTÃO DEMOCRÁTICA PRETENDIDA E O SEU CARÁTER CONCILIADOR REVELADO NA META 19 DO PNE 2014 – 2024. Líbia Aquino¹ Resumo: Este artigo aborda a gestão democrática da escola pública brasileira, a partir do estabelecido na Meta 19 do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Para isso utiliza-se um recorte da tese de doutorado da autora que resultou de pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevista aberta com atores envolvidos na formulação da política pública contida no PNE 2014-2024. Após os estudos sobre o tema é possível afirmar que a meta 19 do referido PNE revela um texto conciliador entre as propostas apresentadas pelas duas casas do Congresso Nacional. Palavras-chave: gestão democrática, escola, plano nacional de educação. INTRODUÇÃO Na Constituição Federal de 1988, no artigo 206, a gestão democrática do ensino público é apresentada como um dos princípios constitucionais da Educação. Está claro que o pleno desenvolvimento da pessoa, marca da Educação como dever do Estado e direito do cidadão, conforme o art. 205 da mesma Constituição ficará incompleto e truncado se tal princípio não se efetivar em práticas concretas nos sistemas e/ou redes e nas escolas. Para BOURDIEU (2004) a gestão escolar está no campo da política. E este campo é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de “consumidores”, devem escolher, com probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção. ¹ Pedagoga. Especialista em Política da Educação pela UFPel. Mestre e Doutora em Educação pela Faced/UFRGS. Coordenadora Acadêmica na ULBRA/Guaíba. A Constituição e a LDBEN estabelecem a gestão democrática como fundamento que preside instrumentos e práticas da organização e da gestão das escolas públicas e dos sistemas de ensino. A ideia de gestão democrática está vinculada à função social da educação de formação plena da pessoa e do cidadão; podemos então definir gestão como processos e práticas orientados pela promoção da participação de todos os envolvidos com a escola: diretores, professores, funcionários, alunos, pais e comunidade, os quais, ao participarem da vida escolar, educam e são educados na construção de um bem público comum. O processo de gestão democrática das instituições de ensino representa um importante instrumento de consolidação da democracia numa sociedade, considerando que a escola e a sociedade estão dialeticamente constituídas. Quando questionado sobre qual o papel da gestão na escola democrática, Wittmann (2010, p.155) nos diz que é um desafio a construção de um espaço facilitador do desenvolvimento do ser humano em toda sua potencialidade, respeitando suas dificuldades, suas diferenças. Um processo que se realiza no coletivo, mas no qual não podemos reduzir a unidade (pessoa) à caracterização coletiva, à uniformidade que em nome da igualdade bloqueia a diversidade, a criatividade. Repensar a teoria e a prática da gestão educacional no sentido de eliminar os controles formais e incentivar a autonomia das unidades da Educação constitui-se em instrumentos de construção de uma nova cidadania. Assim, a democratização institucional torna-se um caminho para que a prática pedagógica, que é inclusive uma prática social, transforme-se efetivamente numa prática social e possa contribuir para o fortalecimento do processo democrático mais amplo. Sobre isso, Souza (2015) afirma que a forte marca política da ação dos dirigentes escolares e as tramas e redes de poder que se estabelecem nas relações cotidianas nas escolas, possibilita compreender a gestão escolar como um processo político, de disputa de poder, explícita ou não, no qual as pessoas que agem na/sobre a escola pautam-se predominantemente pelos seus próprios olhares e interesses acerca de todos os passos desse processo . Conforme Paro (2008, p. 46): Tendo em conta que a participação democrática não se dá espontaneamente, sendo antes um processo histórico em construção coletiva, coloca-se a necessidade de se prever mecanismos institucionais que não apenas viabilizem, mas também incentivem práticas participativas dentro da escola pública. Percebe-se quando uma escola não é democrática, principalmente pela ausência de participação. A gestão democrática não se instala na escola a partir da eleição direta para diretor ou diretora. Também não se instala pela existência de Conselho Escolar. Ela exige, para acontecer, que as pessoas que gestam a escola, tenham a clara compreensão do significado do coletivo. A ação participativa de todos os envolvidos com a escola é que vai constituir realmente a gestão democrática. Ela torna-se democrática a partir do momento em que os sujeitos do processo sentem-se comprometidos com ele. Segundo Delval (2007), um importante avanço social ocorrido nos últimos tempos foi o da capacidade da participação dos indivíduos na vida política e social, que se manifesta nas diversas reivindicações e propostas articuladas à implantação de sociedades democráticas e igualitárias. A democracia não consiste em os cidadãos apenas elegerem seus dirigentes, terem os mesmos direitos e receberem tratamento igualitário, mas exige cidadãos autônomos com capacidade para analisar, comparar e escolher situações sociais favoráveis ao seu próprio bem-estar e ao bem-estar coletivo. A democracia converte-se em forma de vida, um modo de funcionamento da vida social, com conteúdos e valores. A democracia está diretamente relacionada à Educação. A escola, seja ela urbana ou do campo, deve ser um lugar privilegiado, no sentido de proporcionar uma formação para a democracia, elevando o nível de instrução dos indivíduos e preparando-os para participar de uma vida democrática. Uma Educação democrática deve relacionar-se a conteúdos educativos determinados, mas, sobretudo, a uma forma de funcionamento das instituições escolares, pois a democracia, antes de ser um conjunto de conhecimentos é, essencialmente, uma prática. É na forma de funcionamento das instituições que se constitui a gestão democrática escolar como uma das dimensões que pode contribuir para viabilizar o direito à Educação como um direito de cidadania e um direito humano. Peroni (2012) afirma entender que a ideia de gestão democrática é parte do projeto de construção da democratização da sociedade brasileira. Nesse sentido, a eleição para diretores era e é importante não apenas para que os dirigentes educacionais sejam eleitos pelos seus pares e pela comunidade, mas também porque a eleição é um processo de aprendizagem. E a eleição dos diretores, bem como a participação no conselho escolar são processos de construção da democracia, tanto para comunidade escolar, quanto para a comunidade em geral, porque a participação, depois de muitos e muitos anos de ditadura, é um logo processo de construção, afirma a autora. Portanto, uma questão central é o papel da Educação nesse processo, considerando-se a Educação como um todo e não apenas a Educação Pública. Assim, uma das perdas para todos os envolvidos na luta em defesa da gestão democrática foi quando ficou estabelecido, na Meta 19 do Plano Nacional de Educação que está contido na Lei 13.005/2014, que a gestão democrática seria apenas para o ensino público. A ideia é que todos precisamos construir uma sociedade democrática, então por que apenas os alunos da escola pública deveriam “aprender” a ser democráticos? Entende-se que é na prática que se aprende a conviver numa sociedade democrática, já que esta aprendizagem ocorre no dia a dia da participação em processos de correlação de forças. METODOLOGIA Este artigo está contido na Tese de Doutorado apresentada por mim, ao Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A tese se ocupa com a formulação do Plano Nacional de Educação para o período compreendido entre 2014-2014, com ênfase para a gestão democrática da escola na política pública. Escolho para abordar aqui a Meta 19 do Plano em questão, como se deu sua construção e desconstrução, até chegar ao texto final. Esta talvez seja a meta mais difícil de ser acompanhada por dados estatísticos. Embora a gestão democrática da Educação esteja amparada na legislação educacional, sua efetivação em cada uma das redes públicas de ensino é ainda um imenso desafio para o país. É possível acompanhar, por exemplo, o número de municípios onde estão constituídos Conselhos Municipais de Educação ou conselhos de controle social das verbas da Educação. Por meio das informações coletadas via questionários da Prova Brasil, é possível mensurar a existência dos Conselhos Escolares. Os dados também informam a quantidade de reuniões realizadas, a composição dos Conselhos e as formas de elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas. Porém, a legislação pouco regulamenta o funcionamento desses colegiados. Por fim, as estatísticas também revelam as formas de acesso aos cargos de direção escolar. Para melhor compreender os caminhos percorridos para se chegar à construção final do texto do PNE e, mais especificamente, a meta 19, foi necessário buscar junto a atores que atuam diretamente na elaboração de uma política, suas interpretações sobre o tema. Sendo assim, enviou-se um questionário, constituído de dez itens, com os quais se pretendia compreender melhor a tramitação, ou seja, o caminho percorrido pelo PL 8035/2010 no Congresso Nacional, para os entrevistados. Os atores envolvidos pela pesquisa demonstraram-se receptivos à proposta e deram sua importante contribuição a este estudo na área das Políticas Públicas para a Educação. Foram três os atores convidados, todavia, apenas dois participaram da pesquisa. Ao serem convidados, todos foram informados dos critérios para participação. Um deles, o critério de ter o seu nome publicado, por entender, como pesquisadora, que são atores importantes na formulação da política em pauta, o Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2014. DESENVOLVIMENTO Nos anos 1980, propostas de democratização da gestão da Educação e da escola relacionavam-se a propostas de descentralização e desconcentração . Pelo lado da gestão da Educação, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o regime de colaboração entre os sistemas de ensino como princípio a reger a organização da Educação Nacional. De outra parte, ganharam força, na transição democrática, reinvindicações e propostas bastante concretas visando promover a participação de professores, alunos e comunidade na vida escolar, o que pode ser resumido pela proposição de maior autonomia pedagógica, administrativa e financeira das instituições do setor educacional. No entanto, na prática das instituições de Educação Básica, o paradigma curricular continuou fragmentado por disciplinas, assim como entre núcleo comum e parte diversificada, bem como a autonomia pedagógica permanece e permanece como desafio, em contraponto à autonomia parcial nos aspectos administrativos e financeiros que são atrelados a decisões governamentais em alternância periódica a cada quatro anos. Ainda sobre o tema das reformas educacionais, cabe pontuar que na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, a gestão democrática da escola foi mais diretamente tratada nos seus artigos 14 e 15, nos quais autonomia e participação são os termos predominantes. A década de 1990 caracterizou-se, contudo, no Brasil, por uma retomada conservadora do liberalismo de mercado e notabilizou-se por importantes alterações no mundo do trabalho e da produção, como resultantes do expressivo avanço tecnológico, flexibilização das leis trabalhistas e globalização do capital, sobretudo especulativo. Em escala mundial, essas transformações societárias redimensionaram o papel das políticas públicas, incluindo as do setor da Educação. No campo educacional, intensifica-se uma tendência de retomada da teoria do capital humano e de proposições gerenciais como norte para definições de funções sociais da Educação e de Gestão da Educação, respectivamente. Nesse cenário de mudanças, a redução da Educação à escola, em muitos casos, é um indicador da visão pragmatista e redentorista que passa a orientar as políticas na área por meio de forte interlocução e indução dos organismos multilaterais, revelando intenções, projetos e compromissos pautados pela intensificação das formas desiguais e combinadas da sociabilidade capitalista excludente. Particularmente, a década de 1990 teve importância relevante em minha experiência profissional, pois minha militância sindical junto ao Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS/Sindicato proporcionou minha participação direta na discussão das políticas públicas da Educação, com ênfase na política da Gestão Democrática da Escola Pública. Desde o ano de 1984, militei junto ao sindicato anteriormente citado como representante de escola, no Conselho Regional do 16º núcleo do CPERS/Sindicato, com sede em São Borja. Na sequência, atuei como representante de escola e também como conselheira 1/1000, no conselho regional do 24º núcleo do CPERS/Sindicato em Pelotas. Nesse período, a implantação da gestão democrática nas escolas da rede pública estadual estava em ampla discussão e acompanhamento pelo próprio sindicato, através de seu trabalho de base que, à época, era imbatível. Tal fato se devia à representação sindical em cada uma das escolas do Estado. Tal envolvimento com a gestão democrática na escola levou-me a buscar a especialização, em nível de pós-graduação, em Política Educacional, com ênfase na gestão democrática na escola pública para compreender o significado do Conselho Escolar na democratização da gestão. No ano de 1993, participei das eleições gerais para a direção do sindicato, no cargo de 3ª vice-presidente. Com o resultado positivo das eleições, passei a integrar a Direção Central do Sindicato, o que me permitiu coordenar, por um certo período, o setor de Educação. A partir da segunda metade da gestão sindical que teve seu período de duração entre os anos de 1993-1996, fui indicada pelo Conselho Geral do Sindicato para representá-lo junto à CNTE e, na sequência, também junto ao Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Dessa forma, passei a acompanhar diretamente, no Congresso Nacional, a tramitação do projeto da LDB, já com especial atenção para definições relacionadas à gestão escolar e sua democratização. No ano de 1996 fui eleita pelo Conselho Geral do Sindicato para participar, como conselheira, no Conselho Estadual de Educação – CEEd, o que proporcionou minha participação direta na elaboração das políticas públicas para a Educação do estado do Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo que proporcionou a participação direta na interpretação da nova LDBEN (Lei nº 9.394/96), editada em 20 de dezembro do mesmo ano. A partir dessa data, o trabalho no CEEd era diário e contínuo em todas as suas comissões com a pretensão de apresentar, como órgão normatizador do Sistema Estadual de Ensino, as novas normas para todos os níveis e etapas da Educação Nacional. Esse foi um período de muito estudo e participação em diversas reuniões de caráter regional e nacional, como o Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação, com o intuito de discutir e melhor compreender o conteúdo da, então, nova LDBEN. No ano de 1996, participei do I CONED, em Belo Horizonte, como representante do CPERS/Sindicato e no ano seguinte, 1997 participei como representante do Conselho Estadual de Educação do RS, também em Belo Horizonte, na UFMG, no II Congresso Nacional de Educação (Coned), com o objetivo de discutir as metas e objetivos para a construção do Plano Nacional de Educação para o próximo período, atendendo o disposto no texto da LDBEN 9394/96, em seu art. 9º, que estabelece para a União, em seu inciso primeiro “elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Desse período é possível depreender o papel e o significado das políticas públicas, como ações sempre orientadas por escolhas nem sempre manifestas, que retratam interesses e funções, objeto de articulações ocorridas em diferentes e diversos encontros, sejam eles em diversos níveis, desde os municipais, até os nacionais. Observa-se em todos eles o significado das representações das muitas organizações da Educação, em todo o Brasil, através de sindicatos e associações que se fizeram representar, no período em questão, tanto em encontros, seminários, conferências e congressos, como em fóruns organizados por temáticas específicas. O período foi marcado fortemente pela participação representativa, tanto da escola de Educação Básica quanto das instituições da Educação Superior. Destaca-se que, no período em análise, década de 1990, as políticas educacionais, enquanto políticas públicas cumprem, primordialmente, o papel de integração e qualificação para o processo produtivo nacional, criando estruturas norteadas por interesses e prioridades nem sempre circunscritas à esfera educacional, o que nos remete à realização de análises que situem a Educação no âmbito das demais políticas sociais. A Educação é assim entendida como prática social cuja especificidade (a ação educativa) não lhe confere autonomia. Encontra-se em Dourado (2004) a afirmação de que a Educação não se confunde com a escolarização, mas tem nessa o seu lócus privilegiado, enquanto espaço de institucionalização processual do pensar e do fazer. Sendo assim, a escolarização configura-se, antes de tudo, em ato político, na medida em que requer sempre uma tomada de posição. A ação educativa e, consequentemente, a política educacional, em qualquer das suas feições, não possuem apenas uma dimensão política, mas sempre um cunho político, já que não há conhecimento, técnica e tecnologias neutros, pois todos são expressão de formas conscientes, ou não, de engajamento. A partir da LDBEN de 1996 é reconhecida, para as escolas, a prerrogativa de liberdade e responsabilidade para elaborar a sua proposta pedagógica, incluindo currículo e organização escolar; aos docentes a incumbência de zelar pela aprendizagem de seus alunos, entendendo-se aprendizagem como a aquisição de competências básicas e essenciais necessárias ao indivíduo para a sua inserção na sociedade de forma justa e igualitária. Observa-se que, nesta lei, o direito de aprender ganha lugar de destaque. O que mudou nessa lei e qual a sua influência na gestão escolar? Há uma mudança de paradigma: a ênfase desloca-se do ensino para a aprendizagem. A lei nº 9.394/96 incorporou esse novo paradigma quando, em comparação com a legislação anterior, deslocou o eixo da liberdade de ensino para o direito de aprender. O direito de aprender concretiza-se quando conseguimos desenvolver no aluno um conjunto de competências definidas pela própria lei em questão, como aquelas necessárias à inserção no mundo da prática social e do trabalho. Essa ênfase nas competências, por sua vez, desloca o trabalho pedagógico do ensino para a aprendizagem, o que resulta em desenvolvimento de competências. A LDBEN reitera o princípio constitucional da gestão democrática do ensino no seu artigo 3º, VI, e remete à legislação dos sistemas de ensino a complementação da regulamentação estabelecida no seu próprio texto: “gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino”. Notadamente, nos artigos que trata da gestão democrática (12, 13, 14 e 15) é possível perceber a forma tímida como a lei se apresenta para tratar a participação dos profissionais da Educação, em aspectos que se revelam na gestão democrática da escola, como a elaboração da proposta pedagógica. Este é um momento que deve ser sinônimo da autonomia da escola. Cabe aos sistemas de ensino entender que serão cada vez mais fortes quanto mais democráticas e autônomas forem as suas escolas. Um dos elementos de destaque no artigo 12 é a indicação para escola articular-se com a sua comunidade, com o objetivo de criar processo de integração dessa mesma comunidade, com o lugar onde seus filhos estão sendo educados para intervir nessa mesma sociedade. O mesmo objetivo encontra-se no art. 13, ao apontar como incumbência dos docentes colaborar com as atividades de articulação da escola, com as famílias e a comunidade. Por outro lado, no artigo 14, a lei é extremamente cautelosa ao estabelecer como um dos princípios da gestão democrática, para os sistemas de ensino, apenas a participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Pedagógico da escola, bem como nos conselhos escolares ou similares. Dessa forma, a própria lei se permite um engessamento no significado da gestão democrática, pois tanto os alunos quanto os pais só podem participar em Conselhos Escolares ou outras organizações da comunidade que sejam equivalentes. Nessa mesma direção, o art. 15 aponta progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira para as escolas que assim continuam sem a participação direta de pais e alunos em instâncias que não sejam similares aos Conselhos Escolares. Dessa forma, o discurso sobre a gestão democrática, como princípio da Educação Nacional, presença obrigatória em instituições escolares, requer que a comunidade educacional se capacite para levar a termo um Projeto Pedagógico de qualidade e que possa gerar “cidadãos ativos”, que participem da sociedade como profissionais comprometidos e que não se esquivem de ações organizadas que questionam a invisibilidade do poder, no interior dos espaços educacionais. Tais considerações contidas na intencionalidade da gestão democrática são impedidas de ocorrer no chão da escola, no momento em que há impedimentos legais que são apresentados pelos governos estaduais e municipais, que levam a um distanciamento entre o que está previsto para a gestão democrática e o que realmente acontece na escola, em nome dessa mesma gestão democrática. O universo escolar encerra em si diferentes mundos, diferentes personalidades, maneiras de ser, de ver e sentir, diferentes problemas, diferentes emoções. Nesse contexto complexo, a proposta pedagógica deverá harmonizar o tempo, os recursos, os espaços para atender a todos, prevendo os diferentes ritmos de aprendizagem de nossos alunos, pois assim é a vida. No mundo estamos sempre nos adaptando ao ritmo de cada fase de nossos filhos, do trabalho, enfim, às próprias circunstâncias da vida. Isso é ser flexível, conviver com a incerteza e adaptar-se às mudanças. A escola deverá estar preparada para isso. A gestão democrática que se pretende na escola, mesmo tendo garantia legal, não se revela ainda nas escolas brasileiras, em sua totalidade. Percebe-se que ainda há uma parcela de autoritarismo de parte dos gestores, da mesma forma que há uma permissão legal para a manutenção das pessoas nos cargos de direção das escolas públicas. Ao comentar sobre a natureza política da gestão escolar e as disputas pelo poder na escola, Souza (2014, p. 15) aponta que: considerando a forte marca política da ação dos dirigentes escolares e as tramas e redes de poder que se estabelecem nas relações cotidianas nas escolas, a gestão escolar pode ser compreendida como um processo político, de disputa de poder, explicitamente ou não, no qual as pessoas que agem na/sobre a escola pautam-se predominantemente pelos seus próprios olhares e interesses acerca de todos os passos desse processo, com vistas a garantir que as suas formas de compreender a instituição e os seus objetivos prevaleçam sobre as dos demais sujeitos, a ponto de, na medida do possível, levar os demais a agirem como elas pretendem. É importante destacar que a gestão democrática em nosso país é resultado de mobilizações que ocorreram, com mais ênfase, ainda nas últimas duas décadas do século XX, de forma organizada em diferentes fóruns que apresentaram propostas tanto para a Constituição Federal de 1988, quanto para o texto da LDBEN nº 9.394/96. Da mesma forma que para o texto do PNE 2001-2011. A gestão democrática e o financiamento da Educação estão imbricados no texto do PNE 2001-2011, pois havia a compreensão de que sem a transparência na gestão dos recursos financeiros, a gestão estaria comprometida. Com efeito, a publicidade e a transparência são qualidades e requisitos do que é público. Faz parte dessa qualidade expor a todos, ao público, algo cuja natureza tem no cidadão sua fonte e referência. Desse modo, é pública a exposição de algo que pode ser diretamente assistido por qualquer um. Ver e ser visto, conhecer e dar a conhecer são dimensões do ser público que se opõem aos segredos daquilo que é privado. No texto do PNE 2001-2011, encontra-se a seguinte afirmação: Deve-se promover a efetiva desburocratização e descentralização da gestão nas dimensões pedagógica, administrativa e de gestão financeira, devendo as unidades escolares contar com repasse direto de recursos para desenvolver o essencial de sua proposta pedagógica e para despesas de seu cotidiano. O PNE do período compreendido entre 2001-2011 insiste em afirmar que, quanto à distribuição e à gestão dos recursos financeiros, constitui diretriz da maior importância a transparência. Para que isso se tornasse possível, deveriam ser fortalecidas as instâncias do controle interno e externo, órgãos de gestão nos sistemas de ensino, como os conselhos de Educação, da mesma forma que os conselhos escolares, em cada uma das escolas públicas brasileiras. Por isso o PNE recomenda a existência de Conselhos de Educação revestidos de competência técnica e representatividade, Conselhos Escolares e formas de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos escolares e à representatividade e liderança dos gestores escolares. Para que seja possível o planejamento educacional,[...]deve-se promover a efetiva desburocratização e descentralização da gestão nas dimensões pedagógica, administrativa e de gestão financeira, devendo as unidades escolares contar com repasse direto de recursos para desenvolver o essencial de sua proposta pedagógica e para despesas de seu cotidiano. (PNE 2001-2011) Entre o previsto no texto legal do PNE para aquele período e o que realmente aconteceu nos municípios e estados brasileiros, houve uma certa distância pois fazia-se necessário que os Municípios e os Estados elaborassem seus Planos Municipais de Educação procurando adequar-se ao que estava previsto na Lei 10. 172/2001. Todavia, a pouca confiança dos gestores das escolas brasileiras quanto ao PNE apresentado fez com que não se efetivasse na sua totalidade. Sobre isso, Dourado (2007, p. 937) aponta que: a proposta de PNE da sociedade brasileira previa um conjunto de princípios que não foram incorporados ao plano aprovado, destacando-se a instituição do Sistema Nacional de Educação e do Fórum Nacional de Educação, a redefinição do Conselho Nacional de Educação e a garantia de ampliação do investimento em Educação Pública de 10% do PIB. A aprovação do PNE foi resultado, portanto, da hegemonia governamental no Congresso Nacional, que buscou traduzir a lógica de suas políticas em curso. Percebe-se, assim, uma série de elementos basilares para o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, defendidos em documento próprio que deixaram de ser contemplados no texto legal e que permitem fortes reflexos na ausência de interesse, dos gestores municipais e estaduais em articular ações que venham ao encontro da gestão democrática, como de outros temas importantes para a escola e, consequentemente, para a educação brasileira. Um destaque é possível fazer, nessa mesma linha de análise, quando, em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) toma o lugar de uma política de Estado, como o PNE, reafirmando assim, a fragilidade daquele Plano Nacional de Educação. A gestão democrática da escola pública é um sonho que permeia o imaginário dos educadores brasileiros mesmo antes de sua concepção legal, surgindo desde o momento que os primeiros compreenderam o seu significado, considerando a ação cotidiana que realizavam na escola. Encontra-se em Batista (2013, p. 102) que a gestão democrática não é uma realidade que atinge todas as escolas públicas e sistemas de ensino do país, ela varia de acordo com as políticas e normas vigentes em cada município e da forma como este organiza o seu sistema de ensino. A gestão democrática enquanto política educacional circula no plano das políticas sociais; estas, apesar de não perderem as marcas oriundas das influências em escala mundial, podem ser localmente (re)significadas. Sabidamente as políticas sociais e todas as demais políticas dependem do significado que damos a elas. Independente do que está posto na legislação, há um distanciamento entre o que é proposto e o que realmente acontece. Dessa forma, não há, e tampouco haverá um esgotamento na discussão do tema “gestão democrática da escola pública” enquanto houver um educador ocupado com a cidadania e a democracia na instituição escolar. No processo de discussão construído a partir das diversas plenárias municipais, regionais e estaduais, que culminaram na CONAE 2010, passando pelo PL 8035/2010 do Executivo, em todos esses momentos a meta da gestão democrática da escola pública esteve presente. Do conjunto das vinte metas que compõem o Plano Nacional de Educação para o período 2014-2014, a gestão democrática se apresenta na meta 19 com suas oito estratégias. Nessas 20 proposições, a meta de número 19, com respectivas estratégias é a que tem como objeto precípuo a Gestão da Educação e da escola. No substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados em 2012, a redação da meta 19 era a seguinte: “Assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto”. A intencionalidade contida na meta em questão permite a compreensão de que os critérios técnicos de mérito e desempenho precedem, como elementos prioritários, a consulta pública à comunidade escolar, permitindo de certa forma o que seria uma alteração na prática da própria gestão democrática da escola pública. No Rio Grande do Sul, a Lei 10.576/1995 que dispõe sobre a Gestão Democrática do Ensino Público, foi alterada pela Lei 13.990/2012. As alterações sugeridas e realizadas naquele momento acontecem exatamente quando há um enfraquecimento na resistência da categoria dos trabalhadores em Educação. Não se dá no período de vigência do PNE 2001-2011, mas logo no início das discussões pós CONAE 2010 e quando um novo Plano Nacional de Educação está sendo gestado no Congresso Nacional. Atualmente, foi apresentado na Assembleia Legislativo do Rio Grande do Sul, um Projeto de Lei de autoria da Deputada Estadual Regina Becker, sob o número 169/2015 que propõe alterações na mesma Lei 10.576/1995 que trata da gestão democrática do ensino público. O referido Projeto de Lei foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e enviado para o Executivo que aprovou com vetos no que se refere aos aspectos de insconstitucionalidade ao estabelecimento do regramento da gestão democrática, ou seja, seria tema exclusivo do executivo e não do legislativo. Ao mesmo tempo que o Executivo sanciona a Lei 14.754/2015 com o respectivo veto e aponta que para as eleições de 2015 o atual diretor da escola pública ainda poderá concorrer novamente para o cargo, sendo que para os próximos pleitos, o diretor de escola não poderá concorrer para um terceiro pleito. Revela-se nesse aspecto a intenção de atender alguns interesses e ainda manter na direção da escola, diretores que estão no cargo há algum tempo, permitindo que isso não venha a acontecer somente nas próximas eleições, daqui há três anos. Ao concluir este artigo percebe-se que a gestão democrática da escola pública, tanto em nível nacional, pelo que prevê a meta 19 do PNE 2014-2024 continua permitindo diversas interpretações, pois através de seu perfil conciliatório assegura condições, no prazo de dois anos, a partir de 2014, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto, acompanhado de oito estratégias que ao invés de aproximar as ações, exigem exercícios macro e diferenciados para que a meta seja implantada e implementada. Ou seja, não possibilitam uma interpretação clara da meta, ao mesmo tempo que permitem uma série de inter-relações futuras que associadas a outras ações levará, de acordo com as políticas praticas pelos estados e municípios, ao que se permitir acontecer em cada uma das diferentes legislações que forem construídas, visando a gestão democrática da escola pública brasileira. Destaco mais uma vez que a gestão democrática da educação nas instituições educativas e nos sistemas de ensino é um dos princípios constitucionais garantidos ao ensino público, segundo o artigo 206 da Constituição Federal de 1988, da mesma forma que a LDBEN 9394/96.

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