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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Momento de Lazer

Hoje almocei no Restaurante da Educação, na FACED/UFRGS, com a Rita e mais dois colegas dela, que são alunos do Mestrado. No almoço conheci o Felipe, colega da Rita. E mais tarde, a noite, recebi este mini-conto de autoria do mesmo Felipe, que foi premiado em Curitiba. Li, gostei e passo a compartilhar com vocês.

Que razões há no amor?

Em apenas dois movimentos levantou-se abruptamente da cama sem se importar com o frio glacial típico de um mês de junho. Caminhou angustiado por todas as partes do apartamento procurando algo que talvez nem bem soubesse do que se tratava. Na verdade queria reaver seu sossego, desejava recuperar o controle absoluto sobre seus pensamentos, que lhe foram roubados desde o instante em que aqueles olhos brilhantes verdes esmaltados cruzaram com os dele aprisionando para todo sempre sua alma.
Notou que esquecera a janela aberta por onde o rigoroso minuano lhe fazia uma nem tão agradável companhia, mesmo assim não ficou de todo insatisfeito, afinal o vento as vezes parecia dialogar com ele. Lembrou-se do momento em que sua musa colocara delicadamente um bilhete no bolso de sua camisa. Até aquele instante não conseguira coragem suficiente para ler o que estava escrito, temia ser uma despedida, rejeição, um adeus... Bebeu diretamente da garrafa o rum que descansava sobre a mesa de centro da sala. Abriu o papel. Leu: “meu verdadeiro nome é Raquel, tel 94200666 - te espero ansiosa”. Como alguém com nome tão belo escolhe Samantha como nome de guerra? Talvez não seria prudente se apaixonar por uma mulher que caminha de um lado para o outro esperando os clientes. O minuano cruel era agora um vendaval de rosas perfumadas exalando o perfume de sua amada.
Pensou em ligar, mas viu no relógio que trabalhava apressado ao lado da cozinha que ainda eram quatro da manhã e que, portanto ainda estava trabalhando. Resolveu esperar o amanhecer debruçado sobre a janela observando a melancolia da cidade que dormia indiferente ao silêncio ensurdecedor da solitária escuridão, do ébrio que bailava e cantava com sua amada cachaça. Decepcionou-se por se dar conta que sua vida fora também uma eterna noite fria e sem sentido. Logo pode ver que o azul marinho começava a ceder lugar a um azul mais claro. Era o dia que principiava seu nascimento. Seria uma premonição?
Estava numa situação de veras embaraçosa, apaixonar-se por uma mulher da vida, Raquel já tinha 44 anos e Jorge apenas 21, indigou-se como poderia dar certo? Como poderia sustentá-la? E será que ela o sustentaria? Conseguiria dividi-la com uma dezena de homens diariamente? Adormeceu...
Aquela mulher deslumbrante, bronzeada, com curvas salientes, cabelos castanhos cacheados, lábios que mais pareciam uma manga rosa com uma voz irresistivelmente melódica e um rosto que nem mesmo as lentes de aumento da inveja conseguiam enxergar as suas rugas - não, o tempo não passava para ela – estava agora sentada em seu colo beijando-o por inteiro e se deixando beijar, ao mesmo tempo em que dizia palavras sinceras de amor em seu ouvido retribuídas com um olhar que lhe fez perceber que não pagaria mais para estarem juntos, disse que jamais a deixaria, Raquel pôs seu dedo indicador nos lábios do rapaz e disse: - Tudo tem seu preço, terás que abdicar de algo para estar comigo para sempre, e sei que o fará, isso que importa. Levou-a para o quarto.
Acordou com o sol batendo em seu rosto. O coração acelerado mal sabia o que fazer. Os pensamentos ainda embriagados se confundiam uns com os outros. Era hora de ligar, mas onde andaria o diabo da coragem. Bebe o pouco de rum que ainda restava. Lembra das parcas vezes que sofrera por tentar e das inúmeras que sofrera por desistir. O despertador toca a canção da alvorada. Jorge o atira contra a parede pensando que aquele simples objeto fosse a fonte de todo mal. Pensa em ligar. Põe a mão no telefone. Desiste. Dá inúmeros socos na parede. Sente um calafrio. Liga a televisão. Enquanto ouve o noticiário esportivo vai a geladeira procurar comida. Volta para a sala. Troca de canal. Perplexo vê a foto de Raquel no telejornal, e lê a legenda na parte de baixo da tela: “Prostituta se suicida atirando-se do 6º andar de um prédio”. Lê novamente o bilhete e entende o recado. Mira a janela, corre e salta....

Felipe Mianes

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